Quando os ponteiros do relógio marcassem 10h do segundo domingo de agosto de um ano anterior, a certeza que eu tinha era de chegar no aconchego dos Bezerra, falar rapidamente com os presentes e em seguida me dirigir ao segundo quarto da casa construída no local onde há mais de 60 anos nossa família decidiu edificar morada.
Ao chegar lá, bateria na porta dizendo. “Presidente, cheguei!”. Vestido com um calção azul, as costas apoiadas na cama, pés estirados no chão gelado, o olhar voltado para o Esporte Espetacular e um copo de Campari ao lado.
Assim, certamente ele falaria. “Opa, meu filho. Chegue pra cá”. Essa não era uma cena específica no Dia dos Pais. Era comum.
Deitava na cama, ou em sua cadeira do “papai”, e conversaríamos sobre tudo, principalmente sobre política. Amava falar mal dos maus políticos.
Criança, adolescente ou adulto, aproveitava para comer suas castanhas de caju ou pegar aquele pedaço de Galinha Matriz que só poderíamos comer no almoço.
Do segundo quarto da casa, gritava em tom de gozação. “Ô Lila [minha tia], um ratinho passou por aqui e comeu tudo”.
Que rato que nada. O roedor era ele mesmo. Que diversão por uma cena tão simples, mas que sua gargalhada nos fazia dobrar a risada.
Talvez essa seja uma das tantas outras que marcam a memória. São inúmeros momentos que nenhum texto seria possível para descrever, precisaria de ao menos uma centena de laudas, ou mais.
Há um ano, infelizmente, ocasiões como as acimas citadas não se repetem fisicamente. São reprisadas diariamente no coração.
Hoje, se seguisse o sentimento comum, seria um dia de tristeza, ou angústia. Mas, aprendi com a criança Vicente e com o vovô Gerson, que não há espaço para dor em uma vida que foi regada de alegria.
Saudade, sim. Será eterna. Mas, as lembranças serão inesquecíveis. Os sonhos estão aí para provar.
Um dia voltaremos nos encontrar. Novamente, na tua careca irei beijar e gritar, “Meu, Presidente”. E aí então, o sorriso acolhedor me colocará nos braços, abençoará e falarás. “Assinho, meu netão”.
Provavelmente já teremos uma música no repertório. Seja ao som de Diogo Nogueira, Dorival Caymmi ou Beth Carvalho, todos iremos para Maracangalha. E mesmo se Anália não quiser ir, “ô vou”.